Produtor. Roteirista. Diretor. Ator. Figurante. Contra-regra. Se Bruno Mazzeo usasse um crachá aos oito anos, quando levantava sozinho seu programa humorístico caseiro “O show é nosso”, bem poderia ser assim a lista de funções embaixo da foto. A atração semanal, registrada apenas para os amigos – e batizada em homenagem às suas referências na época, o “Chico Anysio show” de seu pai, o “A praça é nossa” de Carlos Alberto de Nóbrega e o “A festa é nossa” de Agildo Ribeiro – marca a “estreia” de Mazzeo antecipando, no amador, a amplitude de áreas de atuação e interesse que ele mantém até hoje, no profissional.

Não há exagero na afirmação da abrangência de Mazzeo. Apenas para citar dois exemplos, seu currículo inclui, lá no início, o trabalho como roteirista do humor rápido e de apelo popular certeiro da “Escolinha do Professor Raimundo” e, mais recentemente, o desdobramento em seis personagens na peça “Sexo, drogas & rock'n'roll”, explorando terrenos do riso bem mais sutis e ácidos.

O caminho aberto em “O show é nosso” teve alguns outros marcos iniciais, como a participação no “Grupo Escolacho”, programa de 1988 da Globo no qual ele estreou como ator, aos 11 anos, ou o livro que seu pai editou (“de corujice”) com algumas esquetes que ele encenou em seu programa caseiro. Mas a entrada no mundo dos adultos foi aos 13, em 1990, na “Escolinha”. O adolescente Mazzeo era fã do programa e começou, novamente de forma amadora, a escrever textos para os personagens. O pai levou-os ao chefe José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, que sugeriu que eles fossem usados no programa. E assim Mazzeo ganhou seus primeiros pagamentos, um cachê simbólico por piada usada. Mais importante que o dinheiro, porém, foram as aulas de humor, de texto, de timing que teve com o pai, que corrigia seus textos na sua frente e dava conselhos como "Não diga em dez palavras o que você pode dizer em cinco". Técnica, enfim.

Na faculdade, Mazzeo se afastou dos roteiros e montou uma banda de rock (“ruim”, descreve ele hoje). Passou a escrever letras (“ruins”), a cantar (“mal”) e a tocar (“mal”). Até que Daniel Filho e seu pai, pensando em quem poderia modernizar o programa de Chico Anysio sem perder a ligação com sua identidade, sua história, chegaram ao nome de Mazzeo. Assim, em 1996, o jovem talento chegou ao “Chico total”, onde atuou como roteirista e redator final.

No ano seguinte, seu pai sofreu um acidente que fez com ele perdesse parte da mobilidade do maxilar. As gravações do “Chico total” foram canceladas, e Mazzeo começou a integrar a equipe do “Sai de baixo”. Nessa época, suas referências de humor já começavam a mudar. A escola que vinha da infância – dos humorísticos de TV dos anos 1980, passando por filmes satíricos e de riso rasgado como “Férias frustadas” e “Apertem os cintos, o pilotos sumiu”, além das lições dos craques veteranos que participavam da “Escolinha do Professor Raimundo” - foi somada a um dado novo e definidor: “Seinfeld”.

O seriado americano caiu como semente no terreno fértil da mente de Mazzeo, que àquela altura já havia visto tudo dos ingleses do Monty Python, e já tinha se alimentado com as crônicas de Nelson Rodrigues – todos mestres de arrancar graça (no sentido amplo da palavra) do nada, a mesma matéria-prima presente na famosa definição de “Seinfeld”, “a série sobre o nada”. As pequenas coisas do cotidiano. A mulher que comia uma ervilha de cada vez, como num clássico episódio do seriado. Os detalhes – é onde estão Deus, o diabo e, mais disfarçado, o humor.

“Sai de baixo” tinha uma carga de novidade, sobretudo no improviso – Mazzeo se irritava no início, quando mudavam o que ele tinha escrito, mas aprendeu ali a se desprender do texto e a valorizar a atuação. Depois Mazzeo passou por programas como o “Vida ao vivo” (estrelado por Luiz Fernando Guimarães e Pedro Cardoso) e “A diarista”. Enquanto isso, cultivava uma vontade: fazer seu próprio “Seinfeld”.

Era o que tinha em mente quando, sem conhecer ninguém no canal Multishow (e sem ser conhecido também), bateu lá perguntando com quem deveria falar para apresentar um projeto, se apresentando como roteirista da Globo etc. Achou o caminho que desembocaria em “Cilada”, seu “Seinfeld”. O programa foi um divisor de águas na carreira do artista. Era o primeiro trabalho no qual deixava sua marca de autor, com assinatura plena, desde a concepção até a atuação, indo da primeira palavra até o corte final da edição.

E foi o sucesso do programa e o crescimento do nome de Mazzeo que permitiu que ele levasse para o cinema essa sua marca, com “Muita calma nessa hora”, no qual é co-autor. O filme lançou um formato, depois seguido por outros, de aproximar diferentes gêneros da comédia contemporânea brasileira (do popular “Zorra total” ao lado mais sofisticado da geração stand-up comedy). Dirigido por Felipe Joffily, o longa-metragem foi um sucesso, abrindo uma trilha que Mazzeo seguiria com outros como “Cilada.com”, “E aí, comeu?” e “Muita calma nessa hora 2”.

Em paralelo à carreira de roteirista (na TV, no cinema e no teatro), Mazzeo foi desde os anos 1990 desenvolvendo sua carreira como ator – chegando à maturidade no desafio de “Sexo, drogas & rock'n'roll”, um monólogo no qual ele trafega por personagens que incluem um viciado em heroína, um mendigo e um empresário rico. Um estilo que é menos o de um comediante e mais de um escritor – alguém que tem em mente sempre o timing da piada, partindo do modelo definido pelas lições dadas pelo pai lá no início da carreira. Alguém que não é um tipo especialmente engraçado, nem possui a ferramenta do histrionismo. Mas que domina o tempo, o ritmo, a respiração. E com essa arma acumula com graça (no sentido amplo da palavra) as funções do crachá imaginário que carrega desde os tempos ingênuos de “O show é nosso”. Produtor. Roteirista. Diretor. Ator. Figurante. Contra-regra.

(Texto Leonardo Lichote)

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